segunda-feira, 1 de julho de 2013

Carta para mim mesmo III


Querido Eu,
   
     Não é porque eu gosto de escrever, que te escrevo. Como sabe, acho que não passas de pouca coisa. Mas, vamos seguir. O motivo da minha escrita a ti, é porque, me parece, que só tu é capaz de me entender. Somente você compreende cada início de parágrafo e cada ponto final. Por vezes, pergunto-me o que queres afinal. O que te leva a pegar papel e embebecê-lo com rabiscos, palavras que poucos entendem? Embora saiba que não escreve para que te entendam, escreve para se libertar. Qual a necessidade da métrica das suas palavras?
     Se me permite, quero confessar-te um pequeno segredo: também tenho segredos, qual a pessoa que não tem? Pode pensar que é devaneio meu, mas, tenho medo do que escrevo. Minhas palavras carregam uma força invisível, exponho muito. Acumulo nelas muitas mágoas, embora que amenizadas pela distância, e as solto como uma flecha mortal. E depois meu bom amigo, preciso me despir, e a forma mais racional que encontro é escrever. A sorte é que consigo enigmatizar tudo que me vem à cachola. Um dia conseguirei soltar tudo aquilo que está moído em ti, o silêncio ganhará uma voz clara e compreensiva. Também sinto o frio nos olhares acusadores dos não entendedores. Hoje sua caminhada começa e segue em recordações, referências e só. Como se tudo e todos estivessem estacionados no tempo. Tempo esse que não volta. Leituras, fotos, objetos, lembranças, saudades... tudo ficou para trás. Lugares que não colocarei mais os pés, mas que reconheço no primeiro reflexo... corações. Só posso escrever a ti, não sobrou mais ninguém a quem possa fazer isso. Ninguém me entenderia tão bem, como você. Sei que passas o mesmo que eu. Somos uma ameaça a qualquer um.
     Toda vez que sinto vontade de despir-me da casca, me visto do medo invisível e te falo. Aprendi. Não te revelo todos os meus medos, nunca te disse isso, mas acho que nem é preciso. Pergunto a Deus porque não me encaixo. Porque passei a odiar futilidades e a adiar conversas que já deveria ter tido. É verdade que aprecia bem mais o silêncio agora. Passei a achar um desperdiço de tempo usar palavras vãs que nunca serão compreendidas ou aceitas por pessoas da mesma forma vãs, que prometem e não cumprem... Meu amigo, levante a cabeça, seja você mesmo e siga.
     Como eu gosto quando me fazes falar, quando arranca de mim toda pele e deixas-me sem defesas, acuado e sem saídas. Gosto quando me lê. Ao final de um tempo, sinto-me feliz por está vivo e por ser fértil de imaginação. Outro dia te mostro um capítulo da história que escrevi sobre você. Só não te mostro agora porque não decidi se o herói morre no final, para salvar o mundo, se ele sobrevivi sem memória com seu fiel cavalo ou se segue sua vida de herói. Assim vou seguindo, nas palavras despindo o mundo, embalando toda a descoberta, mascarando toda cura. Meu amigo, nas palavras que te beijo, nas linhas que te abraço, peço que não se afaste, pois preciso de ti. Quando me visitar, demore o suficiente para plantarmos novas sementes. Cultivá-las dará muito trabalho.

Eli Negreiros

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