sábado, 8 de dezembro de 2018

Carta aos meus segredos


Por onde começar ainda não sei. Talvez, por causa do cansaço, comece pelo fim. Meu passo se encheu pressa, meu braço se encheu de peso. Tentarei pelo fim para ver se consigo arrumar o começo. Então começo por aquilo que preciso e só entendi agora: a calma. Hoje é por isso que eu peço: calma para minh’alma. Me escondo dos próprios medos, fujo dos meus segredos. Me sinto como um trem fora dos trilhos. Por isso, é que peço uma trégua de mim. Diminua tantos aperreios e lutas. Eu não consigo seguir se não maneirar um pouco. Preciso dos freios da calma. Tanto que andei em vão. Tanta perda, quantas ilusões e pressas. Hoje trago um passo pequeno. Quero ser pleno de dúvidas mesmo quando tenho certezas. Permito-me ser fraco e até razões quero perder. Quero ser assim: eu mesmo, aquilo que sou. Ter o poder de acertar o passo e em toda manhã viver o milagre de caminhá-lo. Quero o novo no olhar, na esperança. Sem ser hoje, aquilo que ontem fui. Ter uma oportunidade de seguir tendo a minha frente a felicidade do dom da espera e assim poder lutar e vencer. Sem pressa de chegar a lugar nenhum.

Não sei fingir uma cara de feliz só pra dizer as mesmas coisas que todo mundo diz sempre. Todo mundo sabe o que é certo ou errado. E sei que erro até demais. Segui uma estrada vazia onde poucas vezes soube o que é ter paz na consciência. Hoje eu, e muita gente já sabe, que o tempo é curto para ficar gastando com aquilo que não vale mais a pena. Chorar pelo passado não adianta. É o presente que faz o futuro.  Os sonhos bons precisam ser construídos sobre um firme alicerce onde o chão da consciência é um cais, um porto de boa convivência e de vida livre. Motivos. Buscar motivos para viver livre, poder crescer, existir, dizer o que sente sem precisar mentir. Se vestir da pele que somos e não daquilo que queríamos que fosse.

Quero me olhar nos olhos sem me ver perdido. Vivendo minha própria vida e fazendo dos meus pensamentos as vias dos meus atos. E se eu tropeçar nesses atos, nos fracassos e mentiras que eu saiba levantar e entende que tudo é semente da qual um dia me alimentarei. Mesmo na queda há força. Poder levantar é uma das melhores sensações do mundo. Mesmo sem poder falar, sofrendo e perdido vou continuar firme a andar. Sustentando meus passos mesmo sem saber por onde ir. Só assim, não parando, é que percebo que estou sendo amado. O amor próprio, ah o amor próprio… Sou o guardião daquilo que falo e faço. Já sei mostrar a mim mesmo por onde devo andar. Já sei evitar alguns caminhos e pessoas. Aprendi a tomar conta e as rédeas da minha vida. Me conheço, sou meu amigo.

Sou atrevido o suficiente para querer ser pequeno. E essa é uma das maiores audácias que podemos ter: querer ser pequeno. Assim, pequeno, sou movido pela esperança. Quando sou grande demais tenho expectativas demais. Isso acaba por confundir quais são minhas metas e prioridades. Aprendi a ser pequeno na humilhação diária. Na pedra que ouvi, nos passos que me fizeram seguir sem que tivesse vontade, na magoa. Hoje, poucas coisas me machucam, porque tenho muita experiência. Tenho a graça de ser pequeno e, pequeno, não carrego mais espaço para permitir que que alguém me ofenda. A sabedoria conquistada ao longo do tempo se alimenta do meu silencio. A capacidade que tenho de pensar está equilibrada com a capacidade que tenho de amar. Embora que o pensamento seja involuntário e o amor uma escolha, uma decisão.

Se quero ser lembrado então tenho que lembrar. E isso vale também no caso de esquecer, amar e perdoar. Tudo depende de como alimentamos. Nem sempre a vida joga bem. As coisas se destroem, as lagrimas vem. A gente lembra do que passou. Disso ninguém avisa que vai acontecer. Daí me percebo odiando e desprezando, sufocando o amor. Deixo o orgulho ganhar, e o sonho desmorona, mesmo bem alicerçado. As pessoas acusam, reclamam quando não concordamos com elas. Não tenho culpa e não sou mais enganado com isso. Não tenho mais vergonha de minhas feridas abertas. O que quero para elas é apenas cura. Já não fico mais buscando culpados, sei que a história ainda não acabou, ainda tenho chance. Talvez ela, a história, só esteja começando. Hoje pode doer, amanhã não. As vezes o passado sai de lá, de onde ele está, aparece e machuca, faz chorar. Nessa hora lembro que sou capaz de perdoar. Assim, nada e ninguém me fere, a não ser que eu permita. Aprendi que há muita força em soltar as amarras que nos prende as pessoas. Nunca mais impedi ninguém de ir. Se quiser ficar, que seja na liberdade. Se quiser partir, vá. Ficar ou partir é uma escolha. Quem decidiu ficar ou partir é porque escolheu e ninguém pode tirar esse direito. Não sei quanto a quem parte, mas quem fica já entendeu que vivo de perdão. Ele me levanta. É base para o dom de amar o outro ao qual tanto almejo. A quem parte, cabe desejar uma vida feliz, buscar crescimento, sentido na vida. Só não me impeça de viver bem e em paz. Jamais tire os motivos que me fazem esperar, mesmo caminhando.

As vezes finjo cegueira para me proteger do que ainda tenho medo. Tento me esquivar do amadurecimento. Mas, na alma levo paciência. Quero fazer tudo na calma. Já aprendi que a pressa anda menos. Coleciono algumas pedras, cada uma carregada de magoa e dor. Um dia as lapidarei. Quis um caminho diferente daqueles que me jogaram essas pedras. Posso me olhar nos olhos e querer voar depois voltar e contar por onde andei. Contar sobre as dúvidas e sobre tudo que eu entendi. Poder dizer que voltei para recomeçar mesmo tendo muito o que andar… preciso ouvir mais minha voz. Não quero mais me esconder. Quero me fazer capaz, mesmo quando sei que não sou. Quero ir mesmo sem saber para onde. Quero ouvir meus passos. Se doer então correrei. Quero encontrar ouvidos que me compreendam e não me julgam por aparência ou por pressa em me conhecer melhor, e, que me esperem de verdade. O tempo é inteiro nosso. Quero apenas celebrá-lo.

Carta aos meus segredos

Por onde começar ainda não sei. Talvez, por causa do cansaço, comece pelo fim. Meu passo se encheu pressa, meu braço se encheu de peso. ...