segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Chão Rachado





Para os moradores do interior deste gigantesco Brasil, a frase “seja o que Deus quiser” cai no coração do sertanejo como uma navalha que provoca uma dor profunda. Quantas decepções com promessas de políticos, quantos sofrimentos, quantas lutas perdidas. Muitas vezes a frase tem ligação com um íntimo desespero, mas ao mesmo tempo, de confiança em Deus, em que o nordestino sempre repõe sua última esperança, guardada no cantinho mais escondido da observância. Resignação, mas não desistência. A história se repete cada ano.
Na zona da seca em si plantando tudo dá, é só chover. Se não chover aí sim é pra começar a se preocupar. É um povo sofrido, que forma o nosso Brasil. Que é a fôrma do descaso e da indignação. Quantos sofrimentos, para ter uma lata de água barrenta que dá cólica e disenteria, que não mata a sede, que não trás o pão, quando na mesma caatinga estorricada pelo sol, o “castelo” do político é regado até de água pura da mina. A grama sempre verde e aguada pela chuva ou por um caminhão pipa em Brasília ou em qualquer outro grande centro do país. Contrasta com crianças sedentas, famintas, e com verminoses, mulheres ressequidas, sertanejos enrugados pela inclemência do sol e desesperados, em busca de uma gota de água para matar a sede da família e dos animais que deveriam providenciar sua subsistência. As carcaças de animais já fazem parte do cenário nordestino. Tenho pra mim que lá o jumento é o melhor amigo do homem. É um chão rachado, que reflete o coração ressequido de um povo sofrido que não desiste com a dor. Lá o céu bonito é o céu escuro, nublado. Não poder ver as estrelas à noite é motivo de imensa felicidade por saberem que elas estão encobertas por água que logo vai cair num chão que morre de sede. Na seca sofrimento é sinônimo de esperança, persistência e amor. Povo esquecido em um meio oprimido. O “poder” está tornando o sertão do nordeste em uma grande mancha de terra morta, em um grande deserto desolado. Os naturais da terra estão se naturalizando em outros recantos. No cenário devastado onde o Brasil é um deserto em ascensão, vai se formando a história de uma glória decadente, esculpida no chão. Castigo da natureza ou interesse dos homens?
E ainda há quem mate a fome, e ainda há quem morra de fome. Chão aberto, num futuro deserto, é morrer sem condição ou por opção do país gigante. Há quem brigue pelo povo retirante, povo que ver o sol mais vezes do que qualquer outro na nação. O brilhar do olhar é o sofrer do viver. Chão rachado, rico, fértil e que têm muito a oferecer.




Elba Ramalho e José Dumont em Morte e vida Severina.












Carta aos meus segredos

Por onde começar ainda não sei. Talvez, por causa do cansaço, comece pelo fim. Meu passo se encheu pressa, meu braço se encheu de peso. ...